Blogue em construção, com as colaborações que venham a ser enviadas por parte dos colegas, com textos ou fotos. Também agradecemos eventuais correcções a algo que esteja errado. Faltam ainda muitas fotos e muitos outros dados. Vamos todos colaborar. Para que muita coisa não seja esquecida.

A CRISE

Querem a verdade? Ei-la
 «Se toda a gente dissesse, em cada momento, toda a verdade sobre
tudo, o mundo seria um lugar perfeitamente insuportável. Mas se querem
toda a verdade, vamos a ela. E a verdade é que temos pela frente um
ajustamento que vai durar dez anos, durante os quais a classe média
empobrecerá paulatinamente sob o aumento do peso dos preços e dos
impostos, do crescimento do desemprego e da precariedade nas relações
laborais, da falta de oportunidades e de horizontes. Trocar de carro
de quatro em quatro anos? Esqueça. Viagens a sítios exóticos nas
férias? Esqueça. Jantar fora uma ou duas vezes por semana? Esqueça.
Gastar em medicamentos não essenciais? Esqueça. Comprar livros, CD e
DVD com regularidade? Esqueça. Ir ao cinema com frequência? Esqueça.
Assinar a Sport TV, canais de filmes e outros pacotes televisivos?
Esqueça. Pagar as quotas para o seu clube do coração? Esqueça. Comprar
com regularidade uns camarões, uns patés, uns bons vinhos lá para
casa? Esqueça. Alugar uma casinha no campo ou na praia? Esqueça.
Aumento de ordenado e das poupanças no banco? Esqueça. Um bom emprego
para os filhos que tiraram um curso superior? Esqueça — se querem
ganhar a vida de forma compatível com os estudos que fizeram, é melhor
emigrarem.
O mais dramático é que chegámos aqui não por um acaso, mas por uma
tendência perfeitamente clara e definida. Entre 1960 e 1970, o
crescimento médio do PIB (ou seja, da riqueza criada pelo país) foi de
7,5%. Entre 1970-80, esse valor caiu para 4,5%. Na década 80-90, a
descida continuou: 3,2%. Entre 1990 e 2000, novo abrandamento: 2,7%. E
entre 2000 e 2009, o crescimento médio reduziu-se a uns pindéricos
0.7%. Pior um pouco se olharmos para o futuro. Em 2012, segundo o FMI,
seremos o único país do mundo em recessão (-0,5%). E entre 2011 e 2016
seremos o país com o crescimento mais lento do mundo, com apenas 0,4%
em média. Ah, querem mais verdade? Estas projecções foram feitas ainda
sem ter em conta o novo pacote de austeridade que vamos ter de
suportar para que a troika UE/BCE/FMI nos emprestem 100 mil milhões
até 2013. Ou seja, o número (ver págs. 10 e 11 deste caderno) serão
ainda piores. E com estas taxas de crescimento, será muitíssimo mais
difícil – senão quase impossível – resolver os desequilíbrios
macroeconómicos.

A taxa de desemprego? Vai provavelmente ultrapassar os 15%. As nossas
reformas? Depois da imposição de um teto máximo, vão ser meramente
simbólicas em dez anos. As despesas públicas com saúde? Vão cair
fortemente. Vamos pagar cada vez mais pelos medicamentos, mais pelas
taxas moderadoras. Com isto, os indicadores sociais (natalidade,
mortalidade, esperança de vida) vão degradar-se e regredir. As cidades
vão estar menos bem cuidadas. A insegurança e a violência vão crescer.
Haverá um sentimento generalizado de derrota e desistência.
Esta é a nudez forte da verdade. Não é bonita. E ninguém ganha
eleições a expô-la nua e crua na praça pública.»

Nicolau dos Santos, Expresso – Economia